The mask I polish in the evening by the morning looks like shit
Odeio as manhãs na cidade. Não se ouvem apitos de carros, nem gente a falar, nem campainhas a tocar. Ouve-se um som grave e homogéneo ligeiramente parecido com um rugido prolongado. Também não se vêem carros vermelhos, nem publicidades verdes, nem iluminações amarelas nem meias arco-íris até ao joelho. De manhã vê-se nevoeiro. Branco. Newton só conseguiu refractar a luz branca e observar o espectro de cor porque não era de manhã. Mas o pior das manhãs são as pessoas. O rímel não teve tempo de secar. O cheiro da pasta de dentes ainda se confunde com o sabor daquele amargurado iogurte que se comeu antes de sair. À pressa. Claro. O vento frio obriga as pálpebras a desencarcerar os olhos. Não que eles sirvam para alguma coisa. De manhã não se olha para ninguém. De manhã não há egos grandes, nem peitos feitos, nem cabeças levantadas, nem olhares de cima. De manhã há rancor e solidão. Há o enfrentar de um novo dia com o único objectivo de que ele acabe depressa.
Estava a mentir. Eu não odeio as manhãs na cidade. Na verdade, o frio das manhãs aquece-me. Faz-me sentir menos só, saber que de manhã, pelos menos de manhã, todas as pessoas se sentem como eu me sinto o dia todo.